Com um propósito firme de construir um teatro modestamente confortável e seguro, tanto para os que trabalham, quanto para o público externo, lançamos uma grande campanha para angariar a verba necessária a reforma e adaptação de uma antiga fábrica de torneiras, localizada na parte decadente e pobre da câncio gomes, numa sala de espetáculos. exatamente assim foi construído o nosso(?) theatro são pedro quando porto alegre tinha uns 15 mil habitantes lá pelos idos de 1858. naquela ocasião também recorreram aos bolsos da classe instruída, culta e rica para juntar os contos de réis indispensáveis para dotar a cidade de um teatro à altura das necessidades da época. bons tempos aqueles em que a classe instruída e rica era também culta e doava subsídios para a construção de um teatro. nossa campanha caiu num vazio que escancara a miserabilidade do pensamento atual e demonstra o lugar destinado à cultura (e ao teatro) no universo dos atuais endinheirados e do mercado capitalista em geral.
sabíamos que, sendo um grupo de teatro de porto alegre, independente, duro, precisaríamos contar com o apoio quase irrestrito dos meios de comunicação. julgamos que a mídia letrada, culta, formadora de opinião, nos daria a maior força para divulgar um assunto tão nobre quanto a construção de um teatro e abriria um digno espaço em seus veículos para fazer com que nossa campanha chegasse ao público que consome cultura e aos empresários mais arejados para sensibiliza-los a colocar dinheiro no projeto de um grupo de teatro, da mesma forma que apoiam a poderosa ufrgs a arrecadar dinheiro para a reforma de seus valiosos prédios beneficiando-se de leis de incentivo à cultura. foi a primeira frustração. a matéria não recebeu a consideração e importância que esperávamos encontrar.
seguramente, nós tivemos acesso a um décimo ou menos do que a divulgação que foi dedicada a, por exemplo, o novo teatro do zaffari. eu, que raramente leio a zh, em duas ocasiões diferentes encontrei no segundo caderno matérias sobre a inauguração do teatro. soube, então, que até o paixão cortes estava presente no evento. O jornal do comércio, que, diga-se de passagem, sempre abre espaço para os eventos do depósito de teatro, contribuiu com o mesmo espaço que recebemos quando, por exemplo, estreamos uma peça ou divulgamos nossas oficinas. não entendeu a magnitude da questão. o mais generosa de todas foi a tve que fez um especial de final de ano focalizando a campanha cadeira cativa e nossa transferência para o novo ponto, e ainda ofereceu a possibilidade de veicular um vt de 30" para divulgar a campanha (o que ainda não foi feito).
realmente, dispendemos uma energia enorme para colocar a campanha no ar porque acreditamos obstinadamente na importância de construir um teatro naquela região outrora tão importante da cidade, e que hoje se encontrada conflagrada, uma verdadeira terra de ninguém. uma zona de risco em vários e amplos sentidos. mais essencial se torna quando o teatro que se pretende construir vai atender, não somente as nossas necessidades artísticas e abrigar nosso núcleo de formação de atores, mas também possibilitará que outros grupos da cidade e do país apresentem-se em porto alegre que, aliás, não pode ficar eternamente atrelada ao poa em cena para assistir espetáculos que não são trazidos nem pela opus, nem pelos grandes treatros. mas além de tudo, construir este teatro é importante para o público, para vários públicos, para todos os públicos, pois ao contrário destes "grandes theatros", o depósito de theatro não pretende trabalhar somente para a elite financeira da cidade. pretendemos atingir vários segmentos do público. o nosso teatro é um teatro diferente porque produz espetáculos, porque tem uma escola de formação de novos atores, porque se dedica a manter um espaço aberto a toda população da cidade, porque promove a inclusão cultural e a formação de platéia.
todos estes motivos, no entender da mídia, não nos credencia a receber espaço para fazer nossa campanha chegar no público. o renato mendonça veio até o depósito, fez uma enorme e simpática entrevista, trouxe o fotógrafo, tirou várias fotos e nunca publicou a matéria. uma cabeça mais arejada como a do roger lerina abriu espaço na sua "contra-capa", mas figurões como o cultíssimo professor rui carlos ostermann, que ja nos levou três vezes ao seu programa para falar da bagasexta, não foi capaz de abrir espaço para a campanhar no seu programa na rádio gaúcha. a atriz ivete brandalise deu seu apoio institucional mas não foi capaz de abrir seu microfone para falar uma linha da campanha. o ja do lazier martins nem se fala. é óbvio que, se a poderosa agência escala criasse nosso material de divulgação, se o poderosíssimo grupo rbs colocasse no ar um comercial sobre a matéria, nossa campanha seria um estrondoso sucesso. como é um sucesso a campanha de doações para o theatro são pedro e seu faraônico anexo.
é claro, que considero o teatro do zaffari importante para a cidade. é óbvio que percebo que o tratamento dado ao teatro do zaffari tem que ser diferente daquele que nós recebemos. tem que ser diferente porque eles, o zaffari, a ufrgs, o sesi, o theatro são pedro, gastam uma fortuna na mídia e atendem uma relevante fatia do mercado cultural. mas, além disso, tem que ser diferente porque somos diferentes na essência. não só porque eles têm dinheiro e nós não temos, mas porque nossos princípios são diferentes. os objetivos são diferentes. nosso teatro aposta em nossos espetáculos, aposta na formação de novos atores, aposta na pluralidade de gostos e de públicos, aposta, na prática, e não apenas no discurso, na modernamente chamada inclusão cultural abrindo suas portas também para as classes menos favorecidas.
e aí, nos descobrimos duplamente frustrados. primeiro, porque a mídia não recebeu o projeto como esperávamos e então, é claro, o estardalhaco que queríamos produzir na mídia, soou tão alto quanto um traque. alguns ouvidos amigos colaboraram com a campanha de forma maravilhosa. houve aqueles ouviram e se fizeram de moucos. houve uma elite cultural que se colocou na obrigação de "ajudar". e, na realidade, a arrecadação foi fraquíssima, frustrando de longe nossa meta de arrecadar míseros 100 mil reais.
no fim das contas, nos deparamos com a nossa própria desimportância, e voltamos correndo pra dentro das quatro paredes deste prédio que chamamos de nosso e que um dia vai ser o espaço multicultural depósito de teatro, assim, sem "agá" mesmo. nos deparamos, também, com a certeza que os valores culturais do cidadão portoalegrense não avançaram de 1858 pra cá. passaram 150 anos e a mídia e os empresários e a classe rica, instruída e culta, ainda continua presa a velhos valores que não veem mérito em investir em nada que não se dirija a ela mesma, como é o caso do theatro são pedro, do teatro do zaffari e do teatro do sesi.